fevereiro 22, 2006

puncture

desde que se lembrava, sempre tinha vivido com uma deficiência congénita. todas as outras pessoas tinham nascido com um músculo altamente resistente no local onde o coração se aloja no corpo. músculo que ora atrofia e se transforma em pedra, ora desenvolve uma hipertrofia e enceta um ciclo vicioso de cortes profundos e cicatrizes lentas.

no seu caso, aquele espaço era preenchido por um coração insuflável, constituído por material incerto e sem manual de instruções ou prazo de garantia. adequava-se à sua mentalidade de criança. as outras atavam fios a balões e passeavam-nos na rua. ele contentava-se com o coração insuflável que nunca voava para muito longe pois não estava repleto de hélio. na verdade, o ar fazia-o cair constantemente para o chão, onde se arriscava a ser pisado por transeuntes incautos.

ficava repleto com as mais pequenas coisas. uma palavra colocada cirurgicamente numa frase de autoria alheia (a qual saberia de cor após a repetir suficientes vezes), um olhar como aqueles que todos usamos quando olhamos fixamente o horizonte, um sorriso honesto.

não é portanto de estranhar que o volume nunca fosse constante e que, como tal, fosse necessário controlar minuciosamente a pressão interna. afinal de contas, não havia garantia e o seguro não cobria danos causados por negligência por parte do utilizador.

conseguiu manter-se dentro dos limites aceitáveis, mesmo sofrendo com algumas variações. até ao dia em que subitamente descobriu que o desgaste causado pelo tempo e pelos repetidos aumentos súbitos de conteúdo gasoso tinha provocado danos irreversíveis. um furo lento. e um esvaziar penoso...

2 ex troardinary remarks:

Blogger Ana Elias wrote...

ARREBENTÁ BOLHAAAAAAAAA!!!!! :P

Muito bom, Paulo! Muito Bom!

Nota: imeila-me, por favor. imeila-me que perdi o teu meil e quero falar contigo. Thanks.

22/02/06, 10:17  
Blogger Zorze Zorzinelis wrote...

muito bonito; abraço alienado!!

23/02/06, 12:35  

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