dance me to the end of the world
tudo isso ficou para trás. não passam de momentos que pertencem ao passado e que não serão revividos...
desconhece o tempo total da viagem. o destino é irrelevante.
para longe. o mais longe possível...
as memórias são serenamente substituídas pela paisagem monocromática que se repete de ambos os lados da linha. como se fosse possível esvaziar o que leva dentro da caixa craniana. de forma indolor, quase dá conta do vácuo que suga a sua mente. incapaz de o contrariar, sorri ao avistar as primeiras nuances de côr no monte que vislumbra a custo no horizonte.
uma irreprimível vontade de puxar a alavanca vermelha do alarme apodera-se de si. parar a todo o custo o rumo que percorre para poder alcançar aquele lugar distinto dos demais. lugar que lhe começa a ser familiar. conhece-lhe a forma, desconhece-lhe o interior.
entrecortada por finos raios luminosos que reflectem nas janelas duplas não estilhaçantes.
um túnel...
se alguma vez voltar, talvez possa parar acolá para o explorar devidamente.
lembra-te da promessa que fizeste. nunca voltar. agora, nada lá interessa...
o cenário volta a preencher o exterior da carruagem em que se encontra. mas, agora, rios de côr banham tudo o que vê. o mundo parece ter-se transformado numa espécie de líquido viscoso que actua como prisma para o universo. mas nada lhe parece peculiar. não depois de ter visto o destino. não depois de ter confirmado a hora de chegada. imagina-se mergulhando nas árvores de folhas caídas que toda a vida acompanharam os seus longos passeios à beira da estrada. só para sentir a aspereza dos seus troncos. para provar a seiva que lhes corre nos vasos celulósicos. sempre quis fazer isso. antes que seja tarde, imagina-se a golpear aquela que se aninha no solo mais ressequido. ardendo de desejo, sorve o máximo que a sua boca sequiosa consegue alojar. delicia-se com o sabor agridoce, típico do ser ferido e em choque. agora sim, a viagem pode prosseguir...
a espera foi longa. o momento breve. a sensação ténue, desalmada. mas o corpo jaz revigorado...
o sangue ferve-lhe nas veias, enquanto tenta manter um semblante calmo.
ainda bem que não vês para além destes olhos, que não lês minha mente
um olhar de relance para o bilhete caído a seus pés. a hora dactilografada a vermelho. o destino que se esbate.
mais tarde ou mais cedo, irá parar...