In utero – Nirvana – 21 de Setembro de 1993
Os anos foram passando.
Acho que nunca saberei se a minha vinda a este mundo foi puramente acidental ou planeada. Pelo que me contam, tudo foi planeado. Mas 9 anos a distanciar o nascimento de dois filhos parece-me exagerado. Tudo terá surgido pelo facto do meu irmão querer uma companhia para além do meu primo. O “irmão” de infância dos seus primeiros anos, companheiro de brincadeira e quase sempre vítima inocente das frequentes asneiras do meu irmão.
É estranho como tão cedo nos damos conta que a solidão nos arrasta para sensações fortes. No caso do meu irmão, terá sido por volta dessa idade. Quando se terá apercebido que faltava mais alguém? Que tipo de sentimentos lhe terão assolado o espírito então irrequieto?
Esta terá sido a motivação para que a família crescesse. Imagino os meus pais a desejar a chegada de uma menina.
Ana Lúcia. Um cromossoma diferente e seria este o meu nome. Teria certamente um aspecto diferente (capilarmente falando seria crucial…), mas seria eu?
No meio da lotaria e da aleatoriedade dos gâmetas e do genoma por eles transportado, estaria a minha essência em todos eles? Estariam todos eles confinados ao mesmo destino?
Quem sabe se realmente não serei uma mulher presa num corpo de homem? Ou uma espécie de ser imaterial e assexuado cujo aspecto exterior se molda ao receptáculo que lhe é destinado, independentemente do seu sexo?
Terá a vontade dos meus pais em ter uma menina alimentado o espírito perverso dentro desse ser em construção de tal forma que o resultado final foi exactamente o oposto?
Terão os olhos fitado desiludidos um pedaço a mais no recém-nascido? Terá essa desilusão algo a ver com a distância que sempre existiu?
Gosto de pensar que mesmo que tenha existido uma desilusão inicial, ela esteja a ser esbatida à medida que o tempo passa… porque há sempre tempo para encurtar distâncias…